quinta-feira, 3 de novembro de 2016

EM TEMPO DE CRISE: Reflexão Literária: "O BICHO" poema de Manuel Bandeira


Manuel Bandeira, por Cândido Portinari


O BICHO 

Vi ontem um bicho
Na imundície do pátio
Catando comida entre os detritos.

Quando achava alguma coisa,
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.

O bicho não era um cão,
Não era um gato,
Não era um rato.
O bicho, meu Deus, era um homem.

Manuel Bandeira, Rio de Janeiro, 27 de dezembro de 1947


Análise: 

Este poema de Manuel Bandeira relata uma cena cotidiana, em que qualquer pessoa poderia se deparar com situação semelhante. O autor utiliza uma linguagem coloquial e acessível, recorrendo à simplicidade, característica tão marcante em sua obra.

Há uma surpresa preparada para o leitor… o texto se inicia com refinada transitoriedade, talvez se perceba até mesmo o silêncio de uma rua vazia, ecoando alguns movimentos solitários e pontuais. Porém, há perplexidade quando se anuncia que o bicho descrito, que poderia se passar despercebido, na realidade é um homem.

Como se pode observar, este poema foi escrito na cidade do Rio de Janeiro, dois dias após o Natal, portanto a cena se teria realizado no eco das festas comemorativas e de fartura. O personagem estaria buscando restos das alegrias de outras pessoas, evidenciando aí as desigualdades sociais de uma cidade urbana.

O poema intensifica a dinâmica da fome: não examinar nem cheirar demonstra ações imediatas e vorazes, próprias de um ser irracional, a que se reduz um homem diante a calamidade. Estar rebaixado além do cão, do gato e do rato introduz o impacto emocional do expectador, que impotente observa. Impotente, porém não passivo, pois denuncia através da palavra as condições de sofrimento e desumanidade da miséria. Ver uma pessoa na rua numa grande cidade revirando o lixo talvez não causasse tamanha comoção, pois que o hábito de conviver com a pobreza banaliza-a. Manuel Bandeira a coloca no seu devido patamar de sensação: a da repúdia, a da lamentação, pois este olhar verdadeiro diante um homem em necessidades extremas é o de identificação, de empatia.

(Texto sobre o poema “O bicho”, escrito em junho de 1991)


Fonte: Espaço Luau Cultura



ATUALIDADE

E nos dias de hoje? Em meio a uma grande crise: Financeira, desemprego, instabilidade econômica, falta de investimentos e oportunidade de crescimento, empresas fechandos portas, decretando falência, em meio a um mar de corrupção. O poema de Manoel Bandeira, demonstra uma atualidade, na qual os menos favorecidos são milhões de brasileiros, e milhares vivem nas condições do personagem protagonista do poema. 
E o que fazer? Ir para as ruas, para os pátios de grandes estabelecimentos luxuosos,  e em ruas escuras, inseguras, sujas e esquecidas, para deparar-se, quem sabe com "Personagens Reais", catando detritos, a fim, de saciar a fome, com restos de um sistema, que em silêncio escraviza homens que pensam que são livres, mas todavia são escravos dos seus medos, anseios e devaneios, aprisionados na sela da ganância, do egoismo, da maldade e do domínio de "Bichos Ricos" de colarinhos coloridos, pintados pelas cores de seus escravos sociais. Ou esperar, o tempo passar, para ver se sobrará tempo, ou resto de lixo, de migalhas, que o bicho deixara cair?
Entre perguntas, sem respostas, façamos algo, "a nossa parte", contribuindo para uma real transformação, lutar pela educação, moradia, emprego, cultura, saúde, políticas públicas que funcione de fato, façamos "a nossa parte" para transformarmos o Brasil em uma pátria de Cidadãos Livres, que comem em pratos, em mesas, não restos, mas sim um alimento digno e conquistado pelo trabalho de suas mãos. 


"Salve a poesia que liberta os sentimentos,
E as palavras, que liberta a alma"


Alexandre Sertão
03.11.2016.   


Share:

0 comentários:

Postar um comentário

Total de visualizações de página

PETROLÂNDIA-PE

PETROLÂNDIA-PE
Lago de Itaparica - Prainha- Mirante da Serrota- (Foto: Alexandre Sertão) - Vista da BR 316

Mirante da Serrota (foto: Alexandre Sertão)

Mirante da Serrota (foto: Alexandre Sertão)
Petrolândia-PE, Sertão de Itaparica

Pesquisar este blog

Tecnologia do Blogger.

Tradutor

Seguidores